Por: Ribeiro Aires
“Boa!Boa!” Exclamei eu mal me levantei, no passado domingo, quando abri os cortinados e vi o sol escapulir-se por entre as nuvens. A tempestade amainara durante a noite. A chuva e o vento fizeram uma trégua a favor da democracia em Portugal. Durante semanas acordámos com o sorriso do sol a derreter a geada que esbranquiçava os telhados, as ruas mais sombrias da cidade e das aldeias, brilhava na copa das árvores e subjugava plantas e ervas nos campos. Depois vieram as tempestades chamadas Hortênsia e Inácio, precisamente quando em Portugal se decidia o futuro político. Graças a este intervalo da intempérie, o povo pôde sair à rua para votar, mostrando o seu querer, exprimindo o seu pensamento, apontando caminhos.
A vitória de Marcelo estava na cara e nas palavras. A sua vitória é inequívoca (2,533 milhões de portugueses, 60,7%), reforçada e revela o que o povo quer e o que Portugal precisa: honestidade, honorabilidade, dignidade, sensatez, sabedoria, inteligência, lucidez, estabilidade, ponderabilidade, moderação, tolerância e democraticidade. Marcelo venceu em todos os concelhos do país. Nunca tal tinha acontecido. A mensagem, que condena o aventureirismo, é clara: “temos de fazer esquecer as exclusões e xenofobia.”
À esquerda o narcisismo foi evidente. Com cada um a querer cantarolar no seu poleiro, numa disputa para ver quem entoa melhor o “sol e dó”, deu no que deu. De Marisa salvou-se o ‘batom’ vermelho. Viva a divergência. Não aprenderam com outras eleições. Não sei para que “estudam” tanto. É só vaidade no púlpito! Veja-se e ouça-se o que Catarina papagueou no rescaldo, à noite, no domingo. Estratégias pessoais que destoam do conjunto e levam ao precipício. Para a próxima metam o egoísmo num saco.
Já se percebeu, pois, que há partidos em queda abrupta, enquanto outros emergem à superfície com força maior. O CDS e o PCP estão em definhamento. O PSD está a deixar-se acorrentar voluntariamente por quem promete papá-lo. Quase meio milhão de portugueses deixaram-se iludir pelo chupa-chupa que Ventura lhes ofereceu. Sentiram-lhe o sabor, mas não se aperceberam que, além do açúcar, o rebuçado tem travo de veneno. Ouvi-lo dizer que era o “enviado de Deus” soa bem a blasfémia. Messias só houve um. Todos os que se auto-aclamaram como salvadores da pátria, em Portugal ou na Europa, acabaram mal os seus dias. O veneno está em querer esmagar quem se lhe opõe, no desejo de rasgar a Constituição, na intenção de destruir o actual sistema democrático, criando a Quarta República, que, não sendo democrática, seria ditatorial. É possível que alguém o queira ver como um Salazar. Os tempos não são os mesmos. Salazar era um académico, com uma «escola» firmada e vivenciada na Primeira República, o Integralismo Lusitano. Em 1928, chegou ao governo para por a «casa» em ordem, que uma Ditadura Militar não conseguia arrumar, viciada que estava em golpes e contra-golpes. André porém, quer chegar ao poder para por a «casa» em desordem. A Salazar, pôr a «casa» em ordem, exigiu muitos sacrifícios ao povo. Não faltou míngua, não faltou pobreza, com a vida quase só a «pão e vinho sobre a mesa”. Houve obra meritória no Estado Novo, em muitos campos, sim, mas sempre muito aquém do que poderia ter sido realizado. O que foi feito de bom acabou superiormente manchado, quando, durante décadas, Salazar acorrentou o povo, o aprisionou e lhe roubou a liberdade de ser, de dizer e até de sentir. Houve tanto sofrimento! Quem sente e percebe, hoje, esse sofrimento? Quem o viveu, certamente.
Ora, eis André… Razão aqui, razão ali, e a catalogação dos portugueses de primeira – os do bem- e de segunda – os do mal. Salazar também fez isso: descriminação social e politica, primazia à desigualdade. Mas quem lê os livros de História? Há, por aí tantos que colocam a memória no baú, só porque lhes prometem chupa-chupas… Caíram no engodo, como o peixe. Há uma frigideira à espera dos incautos. É que, embalados pelo tom, pelo discurso cavernoso e daninho, às vezes, trauliteiro, não conseguem ler nas entrelinhas. André tem aquele tique dos ditadores: grita, para se afirmar, para que as ovações aconteçam. A História fala disso, à esquerda e à direita. Fá-lo também para se ouvir a ele próprio e para ficar a pensar: eu sou o maior, olhem que eu sou o diabo e com o diabo ninguém brinca. Não sei se milhares dos seus votantes ouviram bem as suas palavras. O Chega prometeu papar o PSD. Rio vai ser servido de escabeche. Bazófia? Não há sofisma. Quer romper, quer esmagar, diz tom toda a clareza. Mas quem deixará? Se o pudesse fazer, alguns dos que votaram nele, haviam de bater muitas vezes no peito e chorar arrependimentos. Enfim!
Deixemos uma palavra a Vitorino Silva pela sua de simpatia, serenidade, simplicidade e autenticidade. O Tiago Mayan disse que via uma onda liberal pelo país. Com 3,22%? Vai lá, vai surfar…